Em dezembro a população do Pará vai às urnas. Não para eleger governador, prefeito ou parlamentares. Vai às urnas para decidir se o Pará deve ou não ser dividido. Em vários aspectos é uma eleição como outra qualquer: propaganda eleitoral, horário eleitoral gratuito, debates, etc. Mas num aspecto muito singular é uma eleição muito mais importante que as demais: não tem volta. Se não gostamos do desempenho de um prefeito, deputado ou governador, temos a chance, mesmo que 4 anos depois, de tirá-lo do poder e eleger outro. Se o Pará for dividido não tem como voltar atrás. Por isso é fundamental esclarecer a população sobre os reais impactos de uma divisão como essa.
Sou contrário à divisão. Não se trata de uma posição de princípios, pois em tese a divisão de um estado pode ser uma boa alternativa. Não é o caso.
Primeiro é forçoso reconhecer que a população do interior do Pará tem todas as razões do mundo para estar revoltada com o abandono por parte do governo. Um exemplo: em São Félix do Xingu, um dos maiores municípios do mundo, há uma comunidade denominada de Taboca. Dista mais de 100km (em estrada de terra, passando de balsa por um rio) do centro do município. Abandonada pelos governos do PMDB e do PSDB desde sempre, viveu, durante o governo de Ana Júlia, momentos de expectativas. Durante o governo petista a comunidade recebeu a promessa de obras de infraestrutura e da construção de uma escola de ensino médio. Houve diversas rodadas do malfadado PTP (Planejamento Territorial Participativo) que decidiu a ordem de prioridade das obras. Além disso, foi eleito um conselho gestor do PTP para acompanhar o desenrolar das obras decididas pela comunidade. Ocorre que depois de 4 anos de governo nenhuma obra foi realizada. Nem infraestrutura, nem escola. A esperança deu lugar à frustação e à revolta. Quase toda a comunidade é, hoje, favorável à divisão do estado. De quem é a culpa senão dos senhores Jáder Barbalho, Simão Jatene e Ana Júlia?
O desgoverno alimenta o espírito separatista. Mas a separação não é a solução. Os estados do Tapajós e de Carajás já nasceriam deficitários. Gastariam, respectivamente, 52% e 26% de seus PIB’s só com a manutenção das novas máquinas estatais. Muito acima da média dos estados brasileiros que é de 12,5%. Em uma palavra: nasceriam devendo R$ 2 bilhões aos cofres da União, o que implicaria no aumento da já excessiva carga tributária brasileira. O argumento de dividir para criar estados menores e mais “fáceis” de administrar não se sustenta, pois o estado do Tapajós já nasceria enorme. Seria o 3º maior estado brasileiro. Uma incongruência. Estudos independentes e sérios demonstram, de forma incisiva, que a divisão não é a solução. Os separatistas se utilizam do sentimento de abandono para defender a divisão, mas seus reais interesses estão na ampliação dos cargos de senador, deputado, governador, secretários de estados e etc. Além disso, são os interesses econômicos que estão por trás de sua sanha divisionista.
Se considerarmos a divisão territorial proposta teremos o seguinte quantitativo de eleitores: Tapajós: 720 mil. Carajás: 940 mil. Pará (território remanescente): 3.100.000. Ou seja, o Tapajós e o Carajás, juntos, teriam 1.660.000 eleitores “contra” 3.100.000 do Pará. Como o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que toda a população do Pará deve ser consultada no plebiscito, é provável que o movimento separatista não obtenha sucesso. É provável também que os separatistas priorizem a campanha justamente para tentar convencer esses 3 milhões de eleitores de que ganharão com a divisão, por isso devem concentrar a campanha por essas bandas. Seus estrategistas já estão trabalhando nesse sentido.
Mas o que preocupa é o elevado grau de xenofobia que está contaminando a campanha (que ainda nem começou oficialmente). O povo está sendo jogado contra o povo. Paraenses estão sendo jogados contra mineiros, maranhenses, amazonenses. Paraenses do sul jogados contra paraenses do oeste e do nordeste do estado. Criou-se uma falácia de que o dinheiro do sul e sudeste do estado vem para Belém e enriquece os belenenses. Nada mais distante da realidade. Quem conhece a capital do estado sabe muito bem do abandono a que Belém e sua população estão submetidos. Falta transporte, saúde, educação, segurança, saneamento e todos os demais serviços públicos básicos.
A campanha dos separatistas vai apelar para o emocional, vai subir a temperatura em ambos com campos. Já ouvi gente afirmar: “não são os paraenses que fazem baderna, que invadem terras no interior do estado”. Argumentos como esse são perigosíssimos, pois mascaram a realidade e estimulam sentimentos xenófobos que são difíceis de controlar, principalmente no “dia seguinte” ao 11 de dezembro. Quem ocupa terra nesse e nos outros estados da União são milhões de sem-terra, irmãos brasileiros privados de seu direito constitucional de trabalho e moradia.
Creio que devemos politizar a campanha. Mas em última instância a visão dos socialistas deve ser primar por organizar o povo, por conferir um conteúdo de classe à questão e por impedir que sentimentos xenófobos sejam estimulados. As elites interessadas na divisão, ou mesmo os setores contrários, é que são nossos inimigos. O cidadão que clama por atendimento médico no sul do estado ou por uma escola no oeste, não é nosso inimigo. O sojeiro que destrói as matas no oeste do estado e as mineradoras que exploram nosso povo e nossas riquezas no sudeste, é que são nossos inimigos. Defender a unidade do estado do Pará não é defender o modelo capitalista de desenvolvimento. Os socialistas já sucumbiram, inúmeras vezes na história, ao senso comum imposto pela lógica burguesa. Numa campanha como essa, em que estamos defendendo pontos em comum com segmentos da classe adversária, é indispensável saber o que nos une e o que nos divide. Sempre será fundamental nos diferenciarmos de nossos inimigos e mantermos nossa integridade ideológica. Esse é o desafio que está lançado.
*Fernando Carneiro é historiador, dirigente do PSOL/PA e membro da equipe editorial do Ponto de Pauta.
Sou contrário à divisão. Não se trata de uma posição de princípios, pois em tese a divisão de um estado pode ser uma boa alternativa. Não é o caso.
Primeiro é forçoso reconhecer que a população do interior do Pará tem todas as razões do mundo para estar revoltada com o abandono por parte do governo. Um exemplo: em São Félix do Xingu, um dos maiores municípios do mundo, há uma comunidade denominada de Taboca. Dista mais de 100km (em estrada de terra, passando de balsa por um rio) do centro do município. Abandonada pelos governos do PMDB e do PSDB desde sempre, viveu, durante o governo de Ana Júlia, momentos de expectativas. Durante o governo petista a comunidade recebeu a promessa de obras de infraestrutura e da construção de uma escola de ensino médio. Houve diversas rodadas do malfadado PTP (Planejamento Territorial Participativo) que decidiu a ordem de prioridade das obras. Além disso, foi eleito um conselho gestor do PTP para acompanhar o desenrolar das obras decididas pela comunidade. Ocorre que depois de 4 anos de governo nenhuma obra foi realizada. Nem infraestrutura, nem escola. A esperança deu lugar à frustação e à revolta. Quase toda a comunidade é, hoje, favorável à divisão do estado. De quem é a culpa senão dos senhores Jáder Barbalho, Simão Jatene e Ana Júlia?
O desgoverno alimenta o espírito separatista. Mas a separação não é a solução. Os estados do Tapajós e de Carajás já nasceriam deficitários. Gastariam, respectivamente, 52% e 26% de seus PIB’s só com a manutenção das novas máquinas estatais. Muito acima da média dos estados brasileiros que é de 12,5%. Em uma palavra: nasceriam devendo R$ 2 bilhões aos cofres da União, o que implicaria no aumento da já excessiva carga tributária brasileira. O argumento de dividir para criar estados menores e mais “fáceis” de administrar não se sustenta, pois o estado do Tapajós já nasceria enorme. Seria o 3º maior estado brasileiro. Uma incongruência. Estudos independentes e sérios demonstram, de forma incisiva, que a divisão não é a solução. Os separatistas se utilizam do sentimento de abandono para defender a divisão, mas seus reais interesses estão na ampliação dos cargos de senador, deputado, governador, secretários de estados e etc. Além disso, são os interesses econômicos que estão por trás de sua sanha divisionista.
Se considerarmos a divisão territorial proposta teremos o seguinte quantitativo de eleitores: Tapajós: 720 mil. Carajás: 940 mil. Pará (território remanescente): 3.100.000. Ou seja, o Tapajós e o Carajás, juntos, teriam 1.660.000 eleitores “contra” 3.100.000 do Pará. Como o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que toda a população do Pará deve ser consultada no plebiscito, é provável que o movimento separatista não obtenha sucesso. É provável também que os separatistas priorizem a campanha justamente para tentar convencer esses 3 milhões de eleitores de que ganharão com a divisão, por isso devem concentrar a campanha por essas bandas. Seus estrategistas já estão trabalhando nesse sentido.
Mas o que preocupa é o elevado grau de xenofobia que está contaminando a campanha (que ainda nem começou oficialmente). O povo está sendo jogado contra o povo. Paraenses estão sendo jogados contra mineiros, maranhenses, amazonenses. Paraenses do sul jogados contra paraenses do oeste e do nordeste do estado. Criou-se uma falácia de que o dinheiro do sul e sudeste do estado vem para Belém e enriquece os belenenses. Nada mais distante da realidade. Quem conhece a capital do estado sabe muito bem do abandono a que Belém e sua população estão submetidos. Falta transporte, saúde, educação, segurança, saneamento e todos os demais serviços públicos básicos.
A campanha dos separatistas vai apelar para o emocional, vai subir a temperatura em ambos com campos. Já ouvi gente afirmar: “não são os paraenses que fazem baderna, que invadem terras no interior do estado”. Argumentos como esse são perigosíssimos, pois mascaram a realidade e estimulam sentimentos xenófobos que são difíceis de controlar, principalmente no “dia seguinte” ao 11 de dezembro. Quem ocupa terra nesse e nos outros estados da União são milhões de sem-terra, irmãos brasileiros privados de seu direito constitucional de trabalho e moradia.
Creio que devemos politizar a campanha. Mas em última instância a visão dos socialistas deve ser primar por organizar o povo, por conferir um conteúdo de classe à questão e por impedir que sentimentos xenófobos sejam estimulados. As elites interessadas na divisão, ou mesmo os setores contrários, é que são nossos inimigos. O cidadão que clama por atendimento médico no sul do estado ou por uma escola no oeste, não é nosso inimigo. O sojeiro que destrói as matas no oeste do estado e as mineradoras que exploram nosso povo e nossas riquezas no sudeste, é que são nossos inimigos. Defender a unidade do estado do Pará não é defender o modelo capitalista de desenvolvimento. Os socialistas já sucumbiram, inúmeras vezes na história, ao senso comum imposto pela lógica burguesa. Numa campanha como essa, em que estamos defendendo pontos em comum com segmentos da classe adversária, é indispensável saber o que nos une e o que nos divide. Sempre será fundamental nos diferenciarmos de nossos inimigos e mantermos nossa integridade ideológica. Esse é o desafio que está lançado.
*Fernando Carneiro é historiador, dirigente do PSOL/PA e membro da equipe editorial do Ponto de Pauta.
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